“Minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar”

Foto de rosto em preto e branco de José Eustáquio, professor da Universidade Federal de Minas Gerais

Memória de José Eustáquio

Professor - Belo Horizonte, MG
P

Por ser professor do ensino superior, estou, neste momento, trabalhando em home office. Por isso, minha casa e meu espaço de trabalho se fundiram em um mesmo lugar. Tenho tido oportunidade de me dirigir aos meus alunos da minha casa. Sinto que é um privilégio, porque nem todas as pessoas têm condições de poder trabalhar da forma mais segura, sem correr o risco de contato social.

Com isso, percebo um pouco das desigualdades que a gente tem vivido em nosso país. Fatos que a gente registra, sobretudo, no campo das relações raciais. Por exemplo, como negro profissional que está tendo oportunidade de trabalhar em casa, eu me sinto um pouco privilegiado. Porque não são todas as pessoas negras que podem desfrutar dessas condições, mesmo que essas condições signifiquem um trabalho dimensionado de uma maneira muito diferente. 

Hoje o meu tempo de trabalho é absurdamente grande, desde quando eu levanto até a hora em que vou me deitar.

Todo o meu dia está envolvido com questões de trabalho, e é um pouco mais tenso, porque vivo no mesmo espaço. Por isso, a gente tem que criar estratégias para fazer com que este trabalho não signifique uma sobrecarga psicológica.

Contratempos durante aulas remotas

Neste momento, eu tenho uma preocupação muito grande com os meus alunos. Sobretudo com minhas alunas.

Leciono em um curso de pedagogia, e tenho percebido que elas têm enfrentado situações muito difíceis, a começar com as questões de acesso às redes para poder acompanhas as aulas.

Além disso, não são poucas as vezes em que, num momento da aula, algumas das alunas se encontram em trânsito, dentro de um ônibus ou na rua. Aí precisam ligar o celular para poder acompanhar um pouco das aulas. Isso me preocupa, porque sei que o processo de ensino e de aprendizagem precisa de uma mediação maior, em que a gente possa estar mais atento em relação ao desempenho de cada um dos alunos.

O que tenho feito é gravar minhas aulas para que todo mundo possa recuperar depois uma gravação. Assim, todos ficam atualizados em relação aos conteúdos.

Juventude em situação de vulnerabilidade

Além dessa atividade como professor, eu também desempenho a atividade de vice presidente de uma entidade. O trabalho voluntário acontece em uma entidade chamada Associação Profissionalizante do Menor (ASSPROM), que faz uma intermediação entre jovens entre 16 até 25 anos. Essa intermediação é feita ao mercado de trabalho com grandes empresas e nas três esferas do governo.

No entanto, criar oportunidade de vínculo de primeiro emprego para a juventude tem sido muito afetada durante a pandemia.

E essa associação atende exatamente as pessoas que mais precisam ter um acesso ao mercado de trabalho. Houve redução de postos de trabalho, e muitas famílias ficaram em situação de vulnerabilidade ainda maior. Além disso, muitos destes jovens que estão, hoje, sendo vinculados na própria associação, também são, em parte, arrimo de família.

Juventude negra é a mais afetada

Aqui em Belo Horizonte, essa juventude – sobretudo a juventude periférica e negra, homens e mulheres – tem sofrido um impacto muito grande dessa pandemia. Enquanto alguém que está à frente de um projeto social que cria condições que estes jovens tenham uma possibilidade maior ao mundo do trabalho, isso me preocupa.

Porque muitos desses jovens se encontram em estudo remoto, e nem sempre as condições que eles têm de acesso são as melhores. Isso pode significar, daqui para frente, um problema maior no que diz respeito à evasão escolar e à interrupção de projetos de vida.

Sou José Eustáquio de Brito, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais, onde leciono na Faculdade de Educação e também na Faculdade de Políticas Públicas.

Outras Memórias