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“A invisibilidade é um lugar feito por uma sociedade capitalista e racista”

A invisibilidade não é um poder dos super heróis. A invisibilidade é o lugar que uma sociedade capitalista e racista, coloca os seus. Seu Ubirajara estava na rua do Casa Viva, quando avistou algumas pessoas com cestas básicas. Seu Ubirajara foi em casa, colocou a sua melhor roupa e foi pedir a sua cesta básica. Ele disse assim: vim buscar a minha cesta!  

Parecia uma criança que se arruma para ir a uma festa e pegar sua sacola de docinhos. Respondi: “o senhor é avô de algum aluno do projeto? Pois as cestas são distribuídas para os inscritos nesta lista.” Ele respondeu: “mas, por favor, olhe para este velho que está muito necessitado.”

Assim como seu Ubirajara, muitos outros estão dentro de casa, sem alimento, sem quem cuide, sem quem os apoie, desse modo. 

A invisibilidade é um plano concebido desde a colonização

Com a pandemia da Covid-19, acentuaram–se as desigualdades sociais do nosso país, empurrando cada vez mais seus cidadãos para as margens dos direitos e privilégios. Nesta sociedade, a invisibilidade é determinada pelo endereço, CEP, origem e cor da pele. Seguindo os paradigmas dado à essas condições, que associadas ao nível de escolaridade, idade, condição física e mental, os colocam em um lugar do esquecimento e coisificação, portanto. 

Um plano concebido desde a colonização e acirrado nesses dias de pandemia, o desprezo, distanciamento, desemprego, a fome e o adoecimento estão presente no cotidiano de muitos brasileiros. 

O invisível dos invisíveis, estão nas ruas em busca de um mínimo de dignidade para as suas vidas. A solidariedade dos guetos e favelas é que promove ainda a esperança nos corações. No final da distribuição, chamamos o Seu Ubirajara que foi feliz da vida com o alimento para a sua casa.  

Os moradores de favela são invisíveis ao sistema! Mas dentro da favela, o invisível dos invisíveis tem nome, tem endereço e é visível! 

Vítima da invisibilidade

Este relato se deu em junho de 2020 em plena pandemia. Histórias não deixavam de chegar com sofrimentos e dores do abandono e desespero. Hoje, dezembro de 2020, estou cansada ao ver que os números de infectados e de mortos beiram ao de início da pandemia do Brasil em maio. 

Chega a triste notícia da morte do seu Ubirajara. 

Como sempre sozinho,  foi descoberto pela vizinha que sentiu a falta de ver o basculante do pequeno cômodo se abrir. Triste! Seu corpo ficou inerte dois dias dentro daquele quarto quente.

As diversas manifestações dos vizinhos que lamentavam a morte do seu “Bira” e a ausência de um familiar para assinar o documento para que ele não fosse enterrado como indigente. 

Por conseguinte, foi necessário acionar com a defensoria pública para que o serviço funerário fosse autorizado entrar na favela para a remoção do corpo, porque foram diversas as razões para as negativas em atender as demandas da situação. Empecilhos para um último ato de caridade para uma vida. 

Se seu “Bira” morreu por Covid-19, não sei. Mas sei que foi vítima antes, durante e depois (se há o depois), de abandono e da invisibilidade dos nossos idosos e do nosso povo tão sofrido.  

Das mulheres que estão nas faxinas, nos meios de transportes lotados em busca do alimento para suas famílias. Dos homens desempregados e dos jovens entregadores que enfrentam o preconceito estabelecido pela sociedade cruel e nefasta, que mata nossos jovens e as nossas crianças. Impedindo uma geração de riqueza e sonhos!

Por isso, estou impactada, indignada e sofrida com uma expectativa que muito ainda vamos ver. Se o Covid 19 deixar! 

“Janelas da Conectividade”

Em dias de pandemia da Covid-19, o distanciamento e o isolamento social são determinantes para o não adoecimento. Assim mesmo, somos convidados diariamente a entrar e/ou participar de várias salas virtuais. Pois, salas coloridas, salas embranquecidas, salas floridas, salas com belos quadros ou apenas salas com belas estantes repletas de livros. 

Com novos hábitos incorporados ao cotidiano, a conectividade virtual ganhou novas funções promovendo encontros, reuniões e uma comunicação desafiadora em aprender a ouvir, esperar a sua vez de fala e de escuta. 

Salas com diversas janelas que interagem e trocam saberes, conhecimentos, afetos e sonhos. Sim! As Janelas da Conectividade, que na vida real e cotidiana da favela ainda se mantêm fechadas e ou cobertas com lonas e plásticos; abafando o ambiente e escondendo os diversos dramas das diversas formas das violências de exclusão e desigualdades sociais.

Entrega de cestas básicas na favela

Com um plástico amarelo na janela e um quarto difícil de circular, o encontrei sentado a beira da cama desiludido com tanto abandono. Quando chamamos pelo seu nome, ele não acostumado a receber visitas, ficou surpreso ao nos ver a porta de sua casa. Então, com dificuldade ele se levantou e disse: Vocês são aqueles jovens da Escola de Música? E logo esboçou um sorriso discreto, seguido de um soluço em uma voz embargada e agradecida por receber uma cesta de alimento, carinho e afeto.” 

Sim! Foi “esta a reação de alguém que em meio à tantas conectividades ainda se encontra no isolamento de sempre” – este fato nos foi relatado por jovens em momento de entrega das cestas básicas nas ruas da favela. As Janelas da Conectividade não se fecha para os jovens! Sempre ansiosos às novas descobertas, vasculham a Internet de um modo voraz em busca de novos conhecimentos, novos relacionamentos e aventuras. 

Sim, aventuras! Mas o que dizer de um jovenzinho que, em plena pandemia, adoece de modo a paralisar a sua vida? Onde a janela é o aparelho de celular que o leva as diversas memórias de uma vida que ele precisará se reabilitar? “Mas e a pandemia? Não tenho onde me tratar neste momento. O que será de mim? Sim! O que será?” 

É o que indaga o menino à sua mãe, que muito aflita vem nos contar a triste sorte do menino e que com lágrima nos olhos recebe a sua cesta de alimentos e volta para sua casa revigorada e esperançosa por dias melhores. 

Por fim, que possamos aprende nessa pandemia, em que as Janelas da Conectividade, estão para além das salas virtuais. 

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