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40 a 59 anos Ensino Superior Completo Escolaridade Estado Gênero Idade Mato Grosso do Sul Mulher Cis Parda Raça/Cor

“Tenho medo e me preocupo com os impactos do futuro”

Sou Agente Comunitário de Saúde em Três Lagoas/MS. Sou profissional da linha de frente na pandemia, mas tão esquecida quanto diversas outras profissões. Desde antes deste período complexo já sofria pela falta de compreensão de muitas pessoas acerca da importância do meu trabalho. Infelizmente, grande parte da população desconhece o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Fato este que continuou quando a pandemia chegou ao Brasil. 

Enfrentei e enfrento muitos obstáculos. Faço parte do grupo de risco por ser hipertensa, no entanto, ocorre que para que eu pudesse me afastar perderia o incentivo pago pelo estado do Mato Grosso do Sul. Assim, para que minha família não fosse prejudicada, decidi continuar.

No início, faltaram Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a população ficou com medo e também senti medo. Após algum tempo o município reorganizou as funções e o trabalho começou a desenvolver com certa eficácia. Em setembro aumentaram demasiadamente a microárea dos agentes e criaram o monitoramento de pacientes com suspeita e confirmação de Covid-19. Funções necessárias durante o enfrentamento de uma pandemia, mas feitas sem remuneração adicional. Trabalhei em dobro, inclusive aos finais de semana, sem ganhar nada a mais por isto.

Me sinto exausta, mas satisfeita pelo meu trabalho ter contribuído para a população. Temo pelos impactos econômicos, temo pelo futuro. Sigo na esperança da vacina para que possamos recomeçar.

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25 a 39 anos Bahia Ensino Superior Completo Homem Cis Prta

“Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social”

Sendo uma bixa preta afeminada, eu já havia vivenciado outros contextos de isolamento social. Entretanto, o isolamento social enquanto única alternativa de proteção contra a Covid-19, durante uma pandemia que tem matado milhares de pessoas no mundo todo, acarreta outras questões. Interpela o contexto socioeconômico, a saúde do corpo e da mente. 

Sendo uma pessoa preta e gay, estou inserido em populações vulnerabilizadas pela sociedade há bastante tempo. De alguma forma, vivenciamos os impactos de isolamento social pelo Estado na negação de nosso acesso aos direitos básicos, principalmente, no que se refere à segurança e à saúde.

Com a pandemia, as desigualdades sociais ficaram mais evidentes para muitas pessoas – mas nunca foram uma novidade para a gente. Temos visto que as principais vítimas da pandemia são justamente as populações mais vulnerabilizadas de sempre. Nem mesmo a pandemia e o isolamento empacaram os números que apontam para o genocídio da juventude negra e de pessoas trans e travestis.

Atividades suspensas, renda suspensa

Eu trabalho nos setores que foram os primeiros a parar por conta pandemia. Sou professor numa escola municipal, que teve as aulas suspensas assim que o primeiro caso foi comprovado em Salvador. Além disso, atuo como produtor artístico e cultural, e tive que cancelar e paralisar projetos voltados para a cena cultural por conta da pandemia.

Pessoalmente, além de ser considerado grupo de risco (o que me deixa muito afetado psicologicamente, com medo de ser contaminado de alguma forma, mesmo tomando todos os cuidados necessários), a questão econômica é um dos fatores que me preocupa. Não tenho um emprego fixo e dependo das atividades que foram suspensas.

Artvismo em contexto de isolamento

Sou um dos idealizadores do Coletivo Afrobapho, um grupo formado por mais de 15 jovens negros LGBT das periferias de Salvador que utilizam as artes como ferramenta de mobilização social e Artvismo. Nós atuamos com ações presenciais como performances, shows, intervenções urbanas, etc.

Com a pandemia, paralisamos as atividades artísticas e culturais. Inclusive, a produção de conteúdo audiovisual. Temos utilizados os aparatos tecnológicos e digitais para comunicação e até mesmo como forma alternativa de continuidade das atividades que desenvolvemos.

Estamos seguindo todas as orientações de isolamento social que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou. Nesse período, temos recebido alguns convites de trabalhos online e tentado os auxílios governamentais para sobrevivência.

Que normalidade?

Vejo muita gente falar de um “novo normal”, de uma “volta à normalidade”. Mas nós, corpos dissidentes, sabemos que o problema sempre esteve nesse conceito do que é considerado normal nessa sociedade racista e LGBTfóbica.

Entre utopias e distopias, desejo que o pós-pandemia não seja tão caótico para as populações mais vulnerabilizadas. Sabemos que é a base da pirâmide social que vai ter que segurar o rojão do processo de recuperação socioeconômica. São os corpos dissidentes que têm construído e proposto novas narrativas de vida, desde muito tempo.

Espero que consigamos resistir e existir em comunhão contra o projeto opressor que tem se reconfigurado a cada época pra nos fazer falhar, pra nos eliminar. Venceremos.